segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

"Pais bonzinhos são tão danosos quanto pais indiferentes..."




Se as relações familiares não fossem intrinsecamente complicadas,
não existiria o mandamento "Honrarás pai e mãe".
Comentário de grande sabedoria.
Assunto inesgotável.
Como educar, como cuidar neste mundo maravilhoso
e tresloucado, com tanta sedução e tanta informação
– um mundo no qual, sobretudo na juventude,
nem sempre há o necessário discernimento para escolher bem?
Saber distinguir o melhor do pior,
ser capaz de observar e argumentar,
são o melhor legado que família e escola podem dar.
Na família, fica abaixo só do afeto e da segurança emocional.
Na escola, importa mais do que o acúmulo de informações
e o espaço das brincadeiras, num sistema que aprendeu erroneamente
que se deve ensinar como se o aluno não tivesse de aprender.
Fora disso, meus caros, não há salvação.
Isso e professores supervalorizados e bem pagos,
escola para todos – não mais milhões de crianças
e jovens em casas cujo pátio é barro misturado a esgoto,
ou na rua, com o crack e a prostituição.
Um ensino que dê muito e exija bastante:
ou caímos na farra e no despreparo para a vida,
que inclui graves decisões pessoais
e um mercado de trabalho cruel.
Bem antes da escola vem o fundamental,
o ambiente em casa,
que marca o indivíduo pelo resto de sua jornada.
Se esse ambiente for positivo, amoroso,
a criança acreditará que amor e harmonia são possíveis,
que ela pode ter e construir isso,
e fará nesse sentido suas futuras escolhas pessoais.
Se o clima for de ressentimento, frieza,
mágoas ocultas e desejos negativos,
o chão por onde o indivíduo vai caminhar será esburacado.
Mais irá tropeçar, mais irá quebrar a cara
e escolher para si mesmo o pior.
Dificuldades familiares
não têm a ver só com o natural conflito de gerações,
mas também com a atitude geral dos pais.
Eles têm entre si uma relação de lealdade,
carinho, alegria?
São realmente interessados,
tentam assumir suas responsabilidades grandes e difíceis?
Foi-se o patriarcado, em que havia regras rígidas.
Eu não quereria estar na pele dos infratores de então,
os filhos que ousavam discordar.
Em lugar da anterior rigidez e distância,
estabeleceu-se a alegre bagunça,
com mais demonstrações de afeto,
mais liberdade, mais respeito pelas individualidades
– muitas vezes com resultados dramáticos.
Lembro a frase que já escrevi nesta coluna,
do psicólogo que me revelou:
"A maior parte dos jovens perturbados que atendo
não tem em casa pai e mãe,
tem um gatão e uma gatinha".
Talvez tenham uma mãe que não troca cabeleireiro
e academia por horas de afeto com os filhos,
ou um pai que corre atrás do dinheiro necessário
para manter a família acima de suas possibilidades,
por ilusão sua
ou desejo de status de uma mulher frívola.
Crianças de 11 anos freqüentam festinhas
em que rola o inenarrável:
onde estão pai e mãe?
Adolescentezinhos rodam de madrugada pelas ruas,
dirigindo bêbados ou drogados:
onde estão pai e mãe?
Quase crianças passam fins de semana em casas de serra
e praia reais ou fictícios,
com adultos irresponsáveis
ou só entre outras crianças,
transando precocemente,
drogando-se, engravidando,
semeando infelicidade, culpa,
desorientação pela vida afora.
Onde estão os pais?
Ter filho é talvez a maior fonte de alegria,
mas também é ser responsável, ah sim!
Nisso sou rigorosa e pouco simpática, eu sei.
Esse é o dilema fundamental numa sociedade que prega a liberalidade,
o "divirta-se", o "cada um na sua", como num pré-apocalipse.
Mais grave ainda num momento em que a honradez de figuras públicas
(que deveriam ser nossos guias e modelos)
é quase uma extravagância.
Pais bonzinhos são tão danosos
quanto pais indiferentes:
o amor não se compra com presentes,
nem permitindo tudo,
nem fingindo não saber ou não querendo saber,
muito menos desviando o olhar quando ele devia estar vigilante.
Quem ama cuida:
velho princípio inegável,
incontornável e imortal,
tantas vezes violado.

Lya Luft

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