quinta-feira, 11 de junho de 2009

Sinto Saudades...


Ter saudades não é só dizer "nostalgia",
para traduzir saudade em outra língua.
Saudade, conforme diz a canção,
"é uma tristeza que não sabemos de onde vem".
Eu tenho saudades de tudo que marcou a minha vida !
Nas lembranças dos "causos" que meus pais e avós,
sertanejos, me contavam;
quando vejo seus retratos;
quando sinto cheiros,
como daquela chá de hortelã com açúcar queimado
(único que tomei na vida, preparado pela vovó Biluca);
quando ouço uma voz,
que me lembra alguém a quem não esqueci;
quando me lembro das pessoas que convivi no passado.
Ah, eu sinto saudades.
Saudades muitas, montanhas de saudades.
Sinto saudades dos amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei.
Sinto saudades de minha infância,
do meu primeiro amor,
da primeira professora, a dona Dulce de São Simão-SP;
dos meus amigos de infância,
do primeiro beijo.
Sinto saudades até do presente,
que não consigo aproveitar direito,
devido ao redemoinho
que se transforma nossa vida moderna,
tenho saudades do passado,
próximo e distante,
como de quando conheci minha esposa
e namoramos
e noivamos por longos dezoito meses,
também sinto saudades do futuro,
que não sei se vou conhecer,
mesmo assim estou saudoso.
Este futuro no qual apostei toda minha vida:
e idealizei,
me preparei, estudei,
passei privações de vários tipos,
mesmo assim sinto saudades,
até porquê eu não o conheço:
nem ele a mim!.
É possível que o futuro seja diferente
de tudo que sonhei,
mesmo assim, dele sinto saudade.
Sinto saudade até do barulho da enceradeira,
que hoje nem existe mais nas lojas de departamentos,
tenho saudades.
Tenho saudades de quem deixei,
de quem me deixou,
dos amigos da escola rural
e da faculdade,
dos times de futebol de várzea,
tenho saudades.
Tenho saudades de quem um dia disse que viria
e não veio;
sinto saudades de quem apareceu na minha vida
como um furacão ou um cometa,
sinto saudades.
Sinto saudades da dona Guidinha e do Seu Joaquim,
meus pais, a quem Deus levou tão cedo
e nem tive a chance de dizer o quanto os amava,
sinto saudades.
Sinto saudades do meu irmão primogênito
e minha irmã mais velha,
que tão cedo se foram, sinto saudades.
Sinto saudades novas e saudades antigas,
sinto saudades de quem nem conheci.
Sinto saudades de uma tarde no circo mambembe,
onde assisti teatro pela primeira vez na vida,
sinto saudades.
Sinto saudades, eu campesino, das “procissões de chover”,
bem no auge das grandes secas
que matavam nossas lavouras de subsistência,
sinto saudades.
Sinto saudades dos que se foram
e dos quais não me despedi direito nem torto,
como meus irmãos queridos Oswaldo e Táta,
que não tiveram como me dizer adeus...
Tenho saudades de gente
que passou na calçada contrária da minha vida,
pessoas que só enxerguei de vislumbre;
tenho saudades de coisas que eu tive e de coisas
que nem sei se existiram na minha vida,
mas se soubesse,
decerto gostaria de experimentar.
Tenho saudades das gentes que,
por eu ter cruzado a rua, deixei de conhecer.
Sinto saudades do meu cachorrinho,
o Viajante, que tive um dia,
quando criança e que me amava fielmente,
como só os cães de crianças são capazes;
dos livros que li e que me fizeram viajar,
dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,
das coisas que vivi e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade,
para resgatar alguma coisa
que nem sei o que é
e nem onde perdi,
mas mesmo assim,
sinto saudades.
Vejo o mundo girando
e penso que poderia estar sentindo saudades
em Taboão da Serra,
em Cravinhos,
na cidade do Cabo,
em Londres ou Xangai,
ou em qualquer outro lugar do planeta.
E meu sentimento poderia se expressar em qualquer língua,
mas que minha saudade,
por eu ser brasileiro,
só fala Português,
embora, lá no fundo,
sei que ela fala todos os idiomas,
mesmo que não saibam descrevê-la.
Creio que todos os povos sintam saudades,
apenas eles não sabem demonstrá-la por palavras.
E é por isso que eu tenho ainda mais saudades.
Porque encontrei uma palavra que posso usar sempre
que eu sentir este aperto no peito,
irreverente, gostoso,
triste, amargo, visceral,
mas que funciona melhor do que um sinal vital
quando se quer falar de vida e de sentimentos.
Saudade é a prova inequívoca de que somos sensíveis;
de que amamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência.
Antonio Carlos Affonso

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