segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Um aborto é igual ao outro



"O aborto é uma escolha puramente pessoal.
O que é moralmente repugnante
é o conceito de que alguns merecem ser abortados
mais do que outros.
"Sarah Palin, no congresso do Partido Republicano,
prometeu que, se eleita, assumirá o papel de patrona
das pessoas com necessidades especiais.
Um Santo Egídio na Casa Branca.
Um Santo Egídio de batom.
O recém-nascido de Sarah Palin é Down.
Seu nome é Trig.
Trig rapidamente se tornou uma das principais
bandeiras da campanha presidencial americana.
Ele é agitado de um lado para o outro,
passando de colo em colo,
de palco em palco.
Sarah Palin descobriu que Trig
era portador de síndrome de Down durante a gravidez.
Em vez de abortá-lo, foi adiante com a gravidez
mesmo assim.Sarah Palin é contrária ao aborto.
Me incomoda um tantinho que seus
partidários e opositores sempre associem Trig a esse fato.
Ter a síndrome de Down parece qualificá-lo
automaticamente para um aborto.
Os partidários de Sarah Palin interpretam a escolha
de ter parido Trig como um sinal de grandeza.
Seus opositores a interpretam como
um sinal de obtusidade religiosa.
Mas abortar Trig teria sido igual a abortar Track,
ou Bristol, ou Piper, ou Willow.
Um aborto é igual ao outro.
Eu entendo do assunto.
Tenho dois filhos.
Como Sarah Palin, agito-os de um
lado para o outro, de artigo em artigo.
Ela tem Track e Trig, eu tenho Tito e Nico.
Tito passou por todos os testes pré-natais.
Naquele tempo, eu era um palerma,
e o teria abortado até mesmo se seu ultra-som
mostrasse algo simples como um pé chato.
Na hora do parto, devido a uma barbeiragem médica,
Tito sofreu uma paralisia cerebral.
Isso mudou tudo.
Eu mudei.
Quando decidimos ter outro filho – Nico –,
perguntei-me se o abortaria caso os testes pré-natais
indicassem alguma anomalia, por mais séria que fosse.
A resposta: jamais.
Jamais?
Jamais.
Do Alasca para a Inglaterra.
David Cameron, líder do Partido Conservador,
tem um filho com paralisia cerebral.
Seu nome é Ivan.
Como Sarah Palin e eu,
David Cameron agita Ivan de um lado para o outro,
de reportagem em reportagem.
Ele argumenta que seu caso pessoal pode ajudar
a esclarecer algumas de suas idéias políticas.
Ao contrário da maioria de seus correligionários,
ele defende a liberdade de abortar até a 39ª semana de gravidez,
em caso de fetos defeituosos,
e só até a vigésima semana, em caso de fetos sem defeitos.
Ele está disposto a estabelecer – por lei –
uma disparidade hedionda.
O nazismo matou mais de 70.000 deficientes físicos
e mentais nas câmaras de gás.
Os princípios da SS vingaram.
Agora os testes pré-natais permitem determinar
quem pode viver e quem pode morrer.
É um Aktion 14F13 intra-uterino.
O aborto é uma escolha puramente pessoal.
Todos deveriam ser livres para fazer o que bem entendem.
É uma estupidez legislar demais sobre o tema.
O STF, em meio aos grampos,
julga os casos de aborto de anencéfalos,
mas o fato é que, no Brasil,
qualquer um que queira abortar,
aborta, na vigésima ou na 39ª semana de gravidez.
O que é moralmente repugnante
é o conceito de que alguns merecem ser
abortados mais do que outros.
Trig. Tito. Ivan.

por Diogo Mainardi

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