domingo, 27 de julho de 2008

A Fronteira entre a Juventude e a Velhice




Creio que se pode traçar uma fronteira
muito precisa entre a juventude e a velhice.
A juventude acaba quando termina o egoísmo,
a velhice começa com a vida para os outros.

Ou seja:
os jovens têm muito prazer e muita dor com as suas vidas,
porque eles a vivem só para eles.
Por isso todos os desejos e quedas são importantes,
todas as alegrias e dores são vividas plenamente,
e alguns, quando não vêem os seus desejos cumpridos,
desperdiçam toda uma vida.
Isso é a juventude.

Mas para a maior parte das pessoas
vem o tempo em que tudo se modifica,
em que vivem mais para os outros,
não por virtude,
mas porque é assim.

A maior parte constitui família.
Pensa-se menos em nós próprios
e nos nossos desejos quando se tem filhos.
Outros perdem o egoísmo num escritório,
na política, na arte ou na ciência.

A juventude quer brincar,
os adultos trabalhar.
Não há quem se case para ter filhos,
mas quando chegam, modificamo-nos,
e acabamos por perceber que tudo aconteceu por eles.
Da mesma forma,
a juventude gosta de falar na morte,
mas nunca pensa nela;
com os velhos acontece o contrário.

Os jovens acreditam ser eternos
e centram todos os desejos
e pensamentos sobre si próprios.

Os velhos já perceberam
que o fim vai chegar e
que tudo o que se tem e se faz para si próprio
acaba por cair num buraco
e de nada valeu.

Para isso necessita de uma outra eternidade
e de acreditar que não trabalhou
apenas para os vermes.

Por isso existe a mulher e os filhos,
o negócio ou o escritório e a pátria,
para que se tenha a noção
de que o esforço diário
e as calamidades têm um sentido.
Assim,
uma pessoa é mais feliz
quando vive para mais alguém,
e não para si só.

Mas os velhos não devem fazer disso um heroísmo,
que não é.
Do mais irrequieto jovem
resulta o melhor dos velhos,
o que não é verdade para aqueles
que já na escola agiam como velhos...

Hermann Hesse, in 'Gertrud'

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