Para o adulto que for ler esta história para uma criança:
Esta é uma história sobre a separação:
quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus…
Depois do adeus, fica aquele vazio imenso:
a saudade.
Tudo se enche com a presença de uma ausência.
Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…
Alguns chegam a pensar
em trancar em gaiolas aqueles a quem amam.
Para que sejam deles, para sempre…
Para que não haja mais partidas…
Poucos sabem, entretanto,
que é a saudade que torna encantadas as pessoas.
A saudade faz crescer o desejo.
E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.
Para quê uma história?
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.
Elas chamam as angústias pelos seus nomes
e dizem o medo em canções.
Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.
Claro que são para crianças.
Especialmente aquelas que moram dentro de nós,
e têm medo da solidão…
Rubem Alves
Rubem Alves
A menina e o pássaro encantado
Era uma vez uma menina que tinha um pássaro
como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais:
era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta,
vão-se embora para nunca mais voltar.
Mas o pássaro da menina voava livre
vão-se embora para nunca mais voltar.
Mas o pássaro da menina voava livre
e vinha quando sentia saudades…
As suas penas também eram diferentes.
Mudavam de cor.
Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos
e longínquos por onde voava.
Certa vez voltou totalmente branco,
cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias
e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro,
brilhando sob a luz da lua,
nada se ouvindo a não ser o barulho do vento
que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores.
Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto
que vi, como presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções
e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira.
Até que ela adormecia,
e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca,
terra quente e sem água, onde os grandes,
os pequenos e os bichos
sofrem a tristeza do sol que não se apaga.
As minhas penas ficaram como aquele sol,
e eu trago as canções tristes
daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras
e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias.
A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar,
dia após dia.
E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás.
Fico tão triste.
Terei saudades.
E vou chorar…
— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro.
— Eu também vou chorar.
Mas vou contar-te um segredo:
as plantas precisam da água,
nós precisamos do ar,
os peixes precisam dos rios…
E o meu encanto precisa da saudade.
É aquela tristeza, na espera do regresso,
que faz com que as minhas penas fiquem bonitas.
Se eu não for, não haverá saudade.
Eu deixarei de ser um pássaro encantado.
E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu.
A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza,
imaginando se o pássaro voltaria.
E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada:
“Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá.
Será meu para sempre.
Não mais terei saudades.
E ficarei feliz…
”Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata,
própria para um pássaro que se ama muito.
E ficou à espera.
Ele chegou finalmente,
maravilhoso nas suas novas cores,
com histórias diferentes para contar.
Cansado da viagem, adormeceu.
Foi então que a menina, cuidadosamente,
para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola,
para que ele nunca mais a abandonasse.
E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste?
Quebrou-se o encanto.
As minhas penas ficarão feias
e eu esquecer-me-ei das histórias…
Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou.
Pensou que ele acabaria por se acostumar.
Mas não foi isto que aconteceu.
O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente.
Caíram as plumas e o penacho.
Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas
transformaram-se num cinzento triste.
E veio o silêncio: deixou de cantar.
Também a menina se entristeceu.
Não, aquele não era o pássaro que ela amava.
E de noite ela chorava,
pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro.
Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina.
Tenho de partir.
E preciso de partir para que a saudade
chegue e eu tenha vontade de voltar.
Longe, na saudade, muitas coisas boas
começam a crescer dentro de nós.
Sempre que ficares com saudade,
eu ficarei mais bonito.
Sempre que eu ficar com saudade,
tu ficarás mais bonita.
E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu.
Voou que voou, para lugares distantes.
A menina contava os dias,
e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela
— o meu pássaro está a ficar encantado de novo…
E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos,
e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse,
o mundo inteiro foi ficando encantado,
como o pássaro.
Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado
e de qualquer lado haveria de voltar.
Ah!Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto
o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama,
triste de saudade, mas feliz com o pensamento:
“Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
3 comentários:
a saudade (apesar da dor) preparando o encontro...
ler rubem alves - a alma se enche de felicidade e gratidão
Ai, a saudade!!!!!!! Bjussss
a importância das histórias pras crianças...
mto bacana isso...
bjos
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