segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Retrocesso à vista



Retrocesso à vista


O FIM DA utopia marxista,
que apostava na derrota do capitalismo,
deu lugar, na América Latina,
ao neopopulismo que,
fazendo-se passar por socialista, explora,
em vez da contradição classe operária versus burguesia,
a oposição entre pobres e ricos.
Se, no caso anterior,
os sindicatos funcionavam como instrumento de organização
e mobilização do operariado para a tomada revolucionária do poder,
agora constituem uma burocracia de neopelegos,
que passaram a ocupar posições estratégicas no aparelho de Estado
e na máquina política.
Assim,
pressionam o governo e os patrões
para que façam pequenas concessões aos trabalhadores,
com a condição de mantê-los quietos,
enquanto eles,
os neopelegos,
enriquecem a se fortalecem politicamente.
A ascensão de Lula à Presidência da República
foi resultado desse jogo e, ao mesmo tempo,
um salto qualitativo para a elite sindicalista.
As consequências disso para a democracia brasileira
podem ser as mais desastrosas,
como procurou mostrar Fernando Henrique Cardoso,
num artigo recente, intitulado
"Para onde vamos?"
O neopopulismo nada tem de revolucionário,
como alardeia Hugo Chávez,
travestido de líder esquerdista,
mas que, na verdade,
se apoia no voto do venezuelano pobre.
Sustentado pelos vultosos rendimentos do petróleo,
mantém programas sociais assistencialistas,
que lhe garantem vasta popularidade.
Aparece,
diante do povão desinformado,
como seu providencial protetor,
que o defende de um lobo mau
chamado Estados Unidos.
Seu verdadeiro projeto
é manter-se indefinidamente no poder e,
para consegui-lo,
fez o Congresso aprovar a reeleição ilimitada.
Lula tentou seguir o mesmo caminho,
mas teve sua pretensão rejeitada numa pesquisa de opinião.
Precavido,
mudou de tática e terminou adotando
a candidatura de Dilma como a solução possível.
Invenção sua,
se eleita, ela
terá que fazer dele seu sucessor em 2014,
e, assim,
caso isso ocorra,
teríamos mais oito anos
de Lula na Presidência da República,
o que somaria, no total,
20 anos de lulismo.
Ou mais, muito mais,
porque pode não parar aí,
já que, àquela altura,
as bases do neopeleguismo
e do neopopulismo
estariam amplamente assentadas em todo o país.
A ameaça é que,
se já agora ele
se rebela contra
a ação fiscalizadora do Tribunal de Contas da União
e pretende calar a imprensa, ou seja,
não admite que ninguém critique
ou cerceie suas decisões de governo,
imaginem o que não fará durante tantos anos no poder.
A história tanto anda para frente
como pode andar para trás.
O propósito de, chegado ao poder,
não sair mais,
faz parte da ideologia petista,
como deixou claro José Dirceu,
em visita a Madri, logo após a posse de Lula,
em 2003, ao afirmar que o projeto deles
era ficar 20 anos no poder.
Sim, porque,
ao contrário dos outros partidos "burgueses",
o partido dito revolucionário vem para salvar o povo
e mudar o rumo da história.
Logo,
não pode se submeter às regras democráticas
da alternância no poder.
Se é verdade que, a esta altura,
o petismo já abriu mão do revolucionarismo,
não admite perder as posições conquistadas.
Lula, muito esperto,
logo compreendeu que o Brasil não é a Venezuela.
Sabe que,
embora tenha maioria no Congresso,
este jamais lhe concederia um terceiro mandato
e muito menos a possibilidade de reeleição ilimitada.
Por isso, adotou a tática de conseguir
um mandato tampão para Dilma,
enquanto,
às carreiras, procura implantar o PAC
e aparecer, diante da nação,
como um presidente empreendedor,
que visa elevar o país à condição de grande potência.
Assim age Chávez
e assim agiu nossa ditadura militar.
A fórmula é sempre aquela:
inimigo dos poderosos e amigo dos pobres,
defensor dos negros e mulatos,
inimigo dos brancos de olhos azuis.
Isso transparece, a todo momento,
em suas declarações e discursos.
Não faz muito tempo,
falando aos catadores de lixo,
criticou os ricos que, deliberadamente,
sujam a cidade para que os lixeiros,
humilhados por eles, a limpem.
É um presidente da República que,
sem qualquer escrúpulo,
faz questão de instigar ressentimentos
e conflitos entre os cidadãos,
jogar uns contra os outros.
Isso no discurso, porque,
de fato,
usa a máquina do Estado
para favorecer grandes empresas
nacionais e estrangeiras.
O artigo de Fernando Henrique Cardoso
chamou atenção para o perigo que o país corre.
Em vez de desautorizá-lo,
os formadores de opinião deveriam preocupar-se
com o interesse maior da sociedade.
É de se esperar, também,
que Serra e Aécio assumam
a responsabilidade que lhes cabe.

Ferreira Gullar - 15 de novembro 2009-Folha de São Paulo


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