quarta-feira, 1 de abril de 2009

Acabei de fazer 60 anos..


Acabei de fazer 60 anos
e a velhice e a morte começam a me assombrar.
O que fazer?
É coincidência, mas minha carteira de identidade me diz
que também completei 60 anos recentemente.
É sempre um marco.
Quando eu tinha uns 20 anos,
considerava que uma pessoa de 60
era um ancião quase morto.
Alguém disse que
“a vida é uma doença sexualmente transmissível
com 100% de fatalidade”.
Mas, como a lepra, é de deterioração lenta,
o que nos faz ir nos acostumando com seu avanço.
Ou mesmo desfrutando da nossa única idade:
estamos vivos.
Reparei que minha idade varia,
ignorando o que diz o RG.
A maior parte do tempo tenho 25.
É muito confortável.
Em outras horas (ou dias) tenho 17,
o que é uma delícia, pois ter 17 aos 60
é ser um adolescente com sustento próprio,
sabedoria de vida,
sem precisar obedecer
ou prestar contas a ninguém.
É mais raro,
mas às vezes tenho 10.
Aí é uma festa de curiosidades,
invenções e brincadeiras.
Tudo isso com um programa “gente grande”
dentro da minha cabeça,
que existe exclusivamente para proteger a criança
e o adolescente, e deixá-los brincar à vontade.
Minha mãe está com 95
e diz que “a velhice é aquela coisa”
(que ela não fala palavrão).
Tem suas razões,
pois a despeito de uma cabeça ótima,
mal vê, mal fala, mal ouve, mal anda.
É capaz que a vontade de viver lhe suma,
como sumiu de meu pai aos 102.
Ele então se retirou para dentro de si
e morreu em dois meses.
De qualquer maneira, alguém mais disse:
“A morte é um momento,
e não há de me roubar da vida mais do que isso:
seu momento”.
(Francisco Daudt - colunista da Folha de São Paulo,
psicanalista, Revista da Folha dia 22/06/2008)

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