segunda-feira, 6 de abril de 2009

O gosto do mal e mau gosto - BBB


Programas como Big Brother
indicam a completa perda do pudor,
ausência de noção
do que cabe permanecer entre quatro paredes.
Desfazer-se a diferença entre o que deve ser exibido
e o que deve ser ocultado.
Assim, expõe-se ao grande público
a realidade íntima das pessoas por meios virtuais,
com absoluto desvelamento das zonas de exclusividade.
A privacidade passa a ser vivida no espaço público.
O Big Brother Brasil,
a Baixaria Brega do Brasil,
faz de todos os telespectadores
voyeurs de cenas protagonizadas
na realidade de uma casa ocupada por pessoas
que expõem publicamente
suas zonas de vida mais íntima,
em busca de dinheiro e sucesso.
Tentei acompanhar o programa.
Suportei apenas dez minutos:
o suficiente para notar que estes violadores
da própria privacidade
falam em péssimo português
obviedades com pretenso ar pascaliano,
com jeito ansioso de serem engraçadamente profundos.
Mas o público concede elevadas audiências de 35 pontos
e aciona, mediante pagamento da ligação,
18 milhões de telefonemas
para participar do chamado "paredão",
quando um dos protagonistas há de ser eliminado.
Por sites da internet se pode saber do dia-a-dia
desse reino do despudor e do mau gosto.
As moças ensinam a dança do bumbum para cima.
As festas abrem espaço para a sacanagem geral.
Uma das moças no baile funk bebe sem parar.
Embriagada, levanta a blusa, a mostrar os seios.
Depois, no banheiro, se põe a fazer depilação.
Uma das participantes acorda com sangue nos lençóis,
a revelar ter tido menstruação durante a noite.
Outra convivente resiste a uma conquista,
mas depois de assediada cede ao cerco
com cinematográfico beijo no insistente conquistador
que em seguida ridiculamente chora
por ter traído a namorada à vista de todo o Brasil.
A moça assediada, no entanto,
diz que o beijo superou as expectativas.
É possível conjunto mais significativo de vulgaridade chocante?
Instala-se o império do mau gosto.
O programa gera a perda do respeito de si mesmo
por parte dos protagonistas,
prometendo-lhes sucesso ao custo
da violação consentida da intimidade.
Mas o pior:
estimula o telespectador a se divertir
com a baixeza e a intimidade alheia.
O Big Brother explora os maus instintos
ao promover o exemplo de bebedeiras,
de erotismo tosco e ilimitado,
de burrice continuada,
num festival de elevada deselegância.
O gosto do mal e mau gosto
são igualmente sinais dos tempos,
caracterizados pela
decomposição dos valores da pessoa humana,
portadora de dignidade só realizável
de fixados limites intransponíveis
de respeito a si própria e ao próximo,
de preservação da privacidade
e de vivência da solidariedade na comunhão social.
O grande desafio de hoje é de ordem ética:
construir uma vida em que o outro não valha apenas
por satisfazer necessidades sensíveis.
Proletários do espírito,
uni-vos,
para se libertarem dos grilhões da mundialização,
que plastifica as consciências.

Miguel Reale Júnior é advogado,
professor titular da Faculdade de Direito da USP,
membro da Academia Paulista de Letras.
Publicado no Jornal
O Estado de São Paulo em 02/02/2009

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